Ugo Giorgetti - O Estado de São Paulo - 10/11/2013
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Domingo passado a televisão foi obrigada a transmitir
um jogo da Série C do Campeonato Brasileiro. É verdade que era uma
decisão, e quem ganhasse já estaria na Série B. Mas não era a decisão
que fazia do jogo algo especial. Era o que acontecia fora dele, ao lado
dele, em volta dele. Sessenta mil torcedores se aglomeravam dentro do
estádio, um velho estádio, que na opinião dos militantes do Business
F.C. certamente já deveria ter sido demolido faz tempo.
Só que ninguém reclamava das inconfortáveis instalações do glorioso
Arruda, do Recife. Ao contrário, havia alegria delirante, que atingiu
até os narradores do jogo, atônitos com a impressionante concentração de
massa diante de seus olhos. Um dos narradores chegou mesmo a mencionar,
com razão, que parecia um jogo do passado, dentro daquele estádio de
linhas arquitetônicas antiquadas, relíquia de um tempo em que estádios
eram feitos para abrigar qualquer torcedor e não certos torcedores.
Abrigar talvez seja um termo não adequado. Estádio não era feito para
abrigar, mas para caber. Quem ia ao estádio sabia que poderia ter que
se sentar no concreto com o risco de ficar um pouco espremido, debaixo
de sol, chuva ou frio. Mas ninguém se importava. Como não se importavam
domingo os sessenta mil alucinados torcedores do Santa Cruz. Esse jogo e
essa torcida vieram provar muita coisa.
O verdadeiro torcedor de futebol, que fez a grandeza do futebol
brasileiro, não desapareceu. Lá estavam eles, alegres, fanáticos, jovens
e velhos, homens e mulheres, elas inclusive, as belas mulheres do
Recife, todos com os olhos no campo e provavelmente sentados no cimento
duro. Ninguém se preocupava com outra coisa senão com o desempenho do
seu time. Sua alegria vinha do gramado, não de outro lugar. Foi
comovente e consolador ver as jovens gerações se comportando como as
velhas, no mesmo desprendimento, no mesmo desprezo por condições
especiais de acomodação.
Estádio foi feito mesmo pra sofrer, se angustiar, e entrar em êxtase,
talvez tudo junto. A torcida do Santa Cruz se colocou ao contrário de
tudo que existe por aí em termos de novas arenas. Fala-se que essas
arenas darão mais conforto, comodidade, espaço, aos torcedores. Quem
precisa de tudo isso? Não os torcedores do Santa Cruz, como constatei domingo. A verdade é
que essas arenas estão sendo feitas para outros torcedores que pagarão
"o preço de mercado" pelos ingressos. O que é esse preço? O maior
possível, evidentemente.
Numa metrópole brasileira sempre existirão quarenta, quarenta e cinco
mil pessoas, por exemplo, que pagarão sem pestanejar os preços de
mercado. Mas serão torcedores diferentes. Velhotes gordinhos, sisudos,
que precisam de espaço para seus corpinhos, que precisam de
estacionamento para seus 4X4, que precisam se abrigar do frio e do
sereno. Que vão reproduzir nos estádios, acomodados em seus belos
"camarotes", a reclusão que vivem atrás das grades pontiagudas de seus
belos edifícios, cercados de guardas por todos os lados.
Futebol é coisa de jovens. De velhos também, mas como os velhos que
foram domingo no Arruda. Que choravam copiosamente com a vitória e o
regresso triunfal do Santa. Você imaginaria um executivo, sem um pingo
de suor no rosto, sentado num lugar especial, uisquinho na mão,
chorando? O espetáculo no Arruda me mostrou que existe um Brasil que
continua o mesmo, felizmente. Não vai mais aparecer muito na TV é certo,
mas, quando menos se espera, lá está ele.
Também é muito possível que já se pense em transformar o Arruda numa
arena igualzinha às outras. Talvez, mas não me interessa. Me interessa o
que vi domingo passado. Por isso que agradeço ao Santa Cruz e á sua
torcida o espetáculo que deram. E aproveito para declarar que
conquistaram um fanático torcedor, infelizmente de longe, aqui de São
Paulo, mas sonhando com o Arruda. Viva o Santa!
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,business-fc-,1095077,0.htm
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